Por quem os sinos dobram?

Por quem os sinos dobram?

Por: Dom Murilo S.R. Krieger, scj Arcebispo de São Salvador da Bahia – BA No dia de Finados, costumamos recordar com carinho nossos mortos queridos. Por um lado, poderíamos dizer que nossa saudade, nosso sofrimento e nossas lágrimas são um problema pessoal ou, quando muito, familiar.

Por: Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia – BA

No dia de Finados, costumamos recordar com carinho nossos mortos queridos. Por um lado, poderíamos dizer que nossa saudade, nosso sofrimento e nossas lágrimas são um problema pessoal ou, quando muito, familiar. Por outro, na grande família dos filhos de Deus, a alegria de um membro deve ser a alegria de todos e a dor de um irmão que sofre deve ser compartilhada por toda a comunidade. São Paulo exprimiu esse entrelaçar-se de nossas vidas com uma afirmação que se tornou clássica: “Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12,15). O poeta inglês John Donne (†1631) expressou de maneira feliz essa necessidade de solidariedade entre os cristãos. Estava doente, de cama, e ouviu os sinos baterem com aquele toque que anunciava a morte de alguém. O poeta perguntou, então, aos que o cercavam: “Por quem os sinos dobram?”, e ele próprio respondeu: “Eles dobram por ti!” Sim, quando morre um membro da comunidade, são todos os seus membros que participam da mesma dor, por se empobrecerem um pouco com a morte dessa pessoa.

Os que já fizeram a experiência da perda de um ente querido que enfrentou uma longa doença e os que receberam a inesperada notícia da morte de uma pessoa que lhes era muito cara são capazes de avaliar a extensão da dor de inúmeros irmãos que diariamente vivem e sofrem essas mesmas situações. Em cada cristão que sofre, Cristo continua sua paixão. No mundo atual, são outras as estações da Via Sacra, mas o sofrimento e a dor são uma continuação da dor e do sofrimento vivenciados por nosso Mestre, naquela primeira.

É importante saber repartir com todos as muitas lições que aprendemos nessas circunstâncias. É também uma maneira de retribuir o que recebemos daqueles que, ao partirem, deixaram saudades. Eis algumas lições:

Entre as inúmeras experiências que se pode fazer, quando perdemos uma pessoa querida, uma das maiores é, sem dúvida, a da bondade de Deus. Nessas horas, devemos tomar consciência de que a vida de cada pessoa que passou em nossos caminhos é um imenso presente que o Senhor nos deu. Através do profeta Isaías, Ele nos diz: “Eu, o Senhor, te chamei… e te peguei pela mão” (Is 42,6). Percebemos Sua presença ao nosso lado pela força que nos dá, pela esperança que renova em nosso coração e pela fé que ilumina esses momentos de dor. Como, então, não sairmos dessa experiência de dor animados e fortalecidos?

Outra lição: Deus se faz presente na hora da dor através de parentes e amigos. Diz a Bíblia que “quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro” (Eclo 6,14). Vemos, em tais situações, quantos tesouros temos ao nosso lado! Descobrimos muitas pessoas que também sofrem com tais mortes e, mesmo assim, procuram ser uma presença de bondade junto a nós. Seus gestos de solidariedade não nascem apenas em seus corações. Nascem, em primeiro lugar, no coração do próprio Deus.

Terceira lição: quando se trata da morte violenta de uma pessoa – por exemplo, em um acidente de carro – percebemos o quanto somos responsáveis por nossos atos. O Senhor não nos colocou no mundo para sermos peças inconscientes de uma grande máquina, com comportamentos pré-determinados. Não! Ele nos dá a liberdade e a capacidade de fazermos nossas escolhas e tomarmos as devidas decisões. Podemos e devemos usar nossa liberdade para fazer o bem, para servir. Mas podemos também usar nossa liberdade para fazer o mal, prejudicando com isso outras pessoas. Nós é que, então, passamos a ser causa de dor e tristeza para outros.

Mais uma lição: anima-nos a certeza de que “a figura desse mundo passa” (1Cor 7,31). Somos peregrinos. Nossa vida sobre a terra não teria mesmo muito sentido se não desabrochasse em outra vida, que é eterna. Arde, no coração do Pai, o desejo de dizer-nos um dia, face a face, o que falou a seu Filho por ocasião do batismo, no rio Jordão: “Tu és meu filho amado, de ti eu me agrado” (Lc 3,22).

Aproveitemos, pois, a graça do dia de Finados! Rezemos por nossos mortos e tomemos consciência do dom que continuam sendo para nós!

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